17 de março de 2020

Matematicamente

O fascínio dos modelos matemáticos confunde-se com o fascínio da própria matemática. Eis um "segredo" bem conhecido dos que estudaram matemática e que dela fizeram (ou pensaram fazer) um modo, não apenas de trabalhar, mas de pensar toda a sua existência. Daí o misto de curiosidade e inquietação com que vamos recebendo a abordagem da evolução do vírus através da precisão metódica dos modelos matemáticos — da evidência ameaçadora do dia seguinte à contaminação de todos os habitantes do planeta, todas as variações parecem possíveis.
Que possamos todos morrer, eis uma hipótese que, a confirmar-se nos próximos meses, já nem poderemos saudar, saudando aqueles que a anteciparam. Que entremos numa cruzada de negação da inteligência matemática, eis a estupidez que convém evitar.
Acontece que, por efeito da consagração dos "especialistas" (vício endémico da nossa sociedade, aberta a todos os determinismos redentores), os matemáticos correm o risco de ser integrados na voragem mediática como oráculos de um futuro necessariamente apocalíptico. Abstraídos de qualquer contextualização social, poderão passar, incautos, de admiráveis militantes da inteligência a sacerdotes do niilismo com que gostamos de mascarar as nossas humanas vulnerabilidades.