Bruscamente no Inverno que já é quase passado: o COVID-19 instalou-se no nosso quotidiano como novo sistema de organização social. De tal modo que o fundamental aparato de combate ao vírus, envolvendo controlo, vigilância e pedagogia, não pode deixar de arrastar um perverso efeito de reconversão do calendário de 2020. E mais além.
Dir-se-ia que a extrema rarefação dos contactos sociais, a que agora somos compelidos em nome da defesa da comunidade, nos devolveu uma entidade, o corpo, cuja irredutibilidade se tinha naturalizado e, de algum modo, liofilizado no labirinto dos prazeres virtuais. O social "em rede" está, assim, exposto na sua agressiva simulação identitária — somos mais que um corpo, garantem-nos todas as metafísicas, mas nunca menos que um corpo.
O programa crítico que estipula a possibilidade de seguir as ideias do "meu corpo", enunciado por Roland Barthes há quase meio século, "porque o meu corpo não tem as mesmas ideias que eu", envolve agora, mais do que nunca, a nitidez do horizonte da morte. Talvez que o autor de O Prazer do Texto visasse também a reconquista, não apenas filosófica, mas eminentemente social, de um pensamento da morte e para a morte. E da energia telúrica que tal pensamento pode envolver. Consulto a memória das datas e verifico que Barthes faleceu em 1980, completar-se-ão 40 anos no dia 26 de Março — lembro-me onde estava e de quem me deu a notícia da sua morte.