28 de março de 2020

O Papa e o seu teatro

O discurso solitário do Papa Francisco na Praça de São Pedro, no Vaticano, confirma-nos um ancestral axioma histórico: a religião é também um teatro.
Não se trata de ceder ao eventual cinismo de um ateu, nem de seguir o pendor metafísico de um crente. Apenas de celebrar a dimensão mais terrena de qualquer teatralidade. Em boa verdade, a possibilidade de relação com o sagrado envolve sempre, em todas as religiões, dispositivos materiais de organização de determinados gestos, próprios dos humanos, desejando, pressentindo ou mimando a atenção da divindade. Enfrentando a frieza austera do seu cenário, Francisco soube relançar, assim, a energia do seu discurso urbi et orbi — a cidade e o mundo existem como aliança simbólica desenhada entre a evidência do concreto e o poder da abstracção.