Dir-se-ia que o futebol é a única via de acesso que temos para falar e, de algum modo, valorizar palavras como:
— sofrimento
— justiça
— coração & cabeça.
Com essa particularidade pueril que faz com que, mais de 100 anos depois de Freud ter produzido os seus primeiros escritos (mesmo a primeira edição de A Interpretação dos Sonhos é de 1900), continua a haver um imenso território mediático — e, nessa medida, público — que consagra a existência humana como algo que pode ser descrito atravé de uma oposição maniqueísta entre "sentir" e "pensar". Mais ainda: garantindo que "pensar-com-a-cabeça" nos coloca (em todo o caso, coloca os jogadores de futebol) do lado de uma imaculada razão, enquanto "sentir-com-o-coração" nos empurra para o erro (pelo menos, quando se joga futebol). Eis a nova educação das massas, mais intelectual nas suas matrizes de exposição e comunicação do que todas as diatribes com que, por tradição, se acusam os intelectuais.
NOTA — A par do surto de COVID-19, há cada vez mais comentadores de jogos de futebol que ignoram o sentido da palavra veleidade, usando-a como se fosse sinónimo de hipótese ou cedência: "A defesa não dá veleidades aos atacantes..."; o que justifica uma dedução a dois tempos: quem emite já não ouve o que é emitido, ou também não conhece a palavra.