Há qualquer coisa de surreal nas actuais sessões de cinema. Como se a reconquista do estatuto de espectador envolvesse o mascaramento daquilo que nos confere uma identidade — e uma imagem —, apenas sobrando o assustado fulgor dos olhos. De alguma maneira, os que arriscam estar presentes numa dessas sessões não podem deixar de reconhecer o valor de uma sociabilidade antiga, tão tristemente desvalorizada pela conjugação de dois factores mercantis: a vida em rede ("social") e a promoção dos grandes ajuntamentos colectivos em que o acto de comunicar se confunde com a produção colectiva de ruído (literal e simbólico). Além do mais, redescobrindo o valor de um ecrã que não se desloca, que não se desliga, recebe luz e devolve-a.