Diz o comentador, em pose involuntariamente nonchalant: caso o anjo da guarda regresse, a equipa terá de readaptar-se à filosofia de Jorge Jesus... Isto depois de, en passant, se ter referido que há pontos a esclarecer, incluindo esse detalhe de somenos que será o salário anual de 7 milhões de euros.
Assim vai o nosso paraíso futebolístico: qualquer tostão que se gaste em produzir filmes suscita sempre as cruzadas moralizantes dos que, ofendidos, denunciam a utilização torpe do dinheiro dos contribuintes. Que um treinador de futebol ganhe num dia o equivalente a 30 salários mínimos mensais pagos na gloriosa República Portuguesa, eis o que é vivido, propalado e eticamente legitimado como um curioso detalhe aritmético...
Claro que a questão não é apenas essa, mesmo se qualquer opção de política cultural se define, antes do mais, como opção financeira. Mas, nem que seja pelo gosto abstracto da matemática, fiquemo-nos por aí, isto é, pelos números.
Valeria a pena perguntar: quem paga as quotas dos sócios e os lugares dos estádios — lugares que podem custar 40 ou 50 vezes mais que um bilhete de cinema?
E já agora: quem paga as assinaturas dos canais que trasmitem jogos de futebol?
E ainda, porque não: quem consome os produtos que os clubes promovem nos estádios e nas camisolas dos jogadores?
Perante tão cândidas perguntas, será que alguém vai reabrir o debate e perguntar como é que o salário de Jorge Jesus — em boa verdade, da maior parte dos treinadores de futebol — provém ou não provém dos bolsos dos "contribuintes"?