As especulações jornalísticas sobre a reconversão dos impulsos amorosos estão marcadas, hélas!, por um pudor que se desconhece, enredado numa pueril dimensão filosófica, inevitavelmente comovente. Isto porque são sempre, malgré tout, divagações sobre relações sexuais, agora assombradas pela nova lei apócrifa — se te toco, posso estar a tocar na tua doença; se o nosso enlace faz com que os limites dos nossos corpos se confundam, a morte que transportamos passa a exprimir-se através de uma microscópica convulsão de trocas e fluidos. O que, em boa verdade, corresponde à morte anunciada de qualquer forma de romantismo, quer dizer, à sua reconversão numa guerra de hormonas. Assim será, mas só mesmo por distracção política ou alheamento moral não nos demos contas das trágicas evidências da pré-pandemia, a começar pela ocupação selvagem do quotidiano social pelos horrores do Big Brother televisivo. Impossível evocar a pulsão romântica como se, numa esquina do tempo, nos tivéssemos acabado de cruzar com Camilo Castelo Branco.