23 de setembro de 2020

E-mails

Entre a surpresa e o protesto, manifestando cordialidade ou espírito ofendido, alguém responde a um e-mail nosso, chamando a atenção para o facto de não termos abordado o assunto que motivou a troca de informações. Na verdade, a reacção não tem qualquer sustentáculo racional: a resposta está lá, nos parágrafos finais — pura e simplesmente, o nosso interlocutor não leu.
O episódio repete-se, torna-se regular e, apetece dizer, viral. Poderia ser um sinal de ansiedade deste presente pandémico, um sintoma da instabilidade emocional do quotidiano assombrado pelos rituais de resistência ao COVID-19. Mas não: o "vício" é anterior, foi-se instalando no funcionamento (profissional ou privado) de muitas pessoas como uma espécie de perversão comunicacional de quem já não sabe o que é escrever uma carta e que, em última instância, foi condicionado a "pensar" através das medidas do Twitter e das abreviaturas codificadas dos SMS.
Dito de outro modo: o cidadão comum nunca lidou com tantos textos e nunca leu tão pouco. Culturalmente, a sobrecarga de linguagens gerou — e sustenta — uma nova forma de analfabetismo. Não ler as últimas linhas passou a alimentar a ideia de que somos mais rápidos do que a escrita, a ponto de dispensarmos o conhecimento dos seus limites.