4 de setembro de 2020

Talking heads

Antes do COVID-19, durante o COVID-19, por certo no pós-COVID-19, os nossos métodos correntes de encenação e auto-encenação — dos noticiários televisivos ao Instagram, passando pelos videos dos jornais — transformaram-nos em locutores do lugar que temos, ou imaginariamente ocupamos, no tecido social. Somos todos talking heads, uns profissionais, outros incautos, tendo integrado a respectiva postura como o supra-sumo da comunicação com os outros. Dir-se-ia uma brincadeira de jardim infantil: inventar um tele-jornal e fazermos de locutor — com um ecrã de cartolina colorida.
Curiosamente, a palavra locutor caíu em desuso — e há até quem a encare como um insulto mal disfarçado. Ironicamente, a sua objectividade é contundente: diluímo-nos no exercício da locução, o nosso clímax comunicacional confunde-se com a leitura do tele-ponto. Dir-se-ia que tudo conflui no know how de uma pose. Provavelmente, era para isto que Marshall McLuhan nos queria avisar quando dizia que "o meio é a mensagem".