1 de setembro de 2020

Da solidão

Pelos mais variados contextos, das conversas privadas aos desabafos do Instagram (hoje em dia, uma coisa parece poder esgotar-se na outra), podemos detectar os sinais, ora esparsos, ora contundentes, de uma revelação que nos pode ajudar a definir a crueldade destes dias sem fim: muitos cidadãos reconhecem — e, na maior parte dos casos, celebram — o facto de, através do COVID-19, da pandemia e do confinamento, terem redescoberto uma solidão de que estavam esquecidos. Em alguns casos, há mesmo uma descoberta radical: não sabiam que tal solidão existia, sobretudo que existia para lá do maniqueísmo do medo. Há qualquer coisa de irremediavelmente patético nestes gestos confessionais: do mundo unificado e unívoco em que estávamos "sempre todos juntos" através do infantilismo promovido pelas redes (ditas) sociais, passámos para um arquipélago global de ilhas filosofantes, cada uma delas com o seu solitário habitante. Talvez haja, aqui, alguma forma de redenção. Ou apenas o reconhecimento implícito, porventura involuntário, de que a solidão é mais criativa que a estupidez.