A nossa dinâmica social define-se através da conjugação de três entidades enredadas numa indizível perversidade (indizível porque, precisamente, interdita às práticas discursivas mais ou menos colectivas): primeiro, reagimos a qualquer facto que contenha ou atraia a noção de catástrofe; depois, rapidamente reduzimos as nossas dores à urgência de nomear um ou vários culpados; enfim, acreditamos, ou construímos um aparato mental que nos leva a acreditar que acreditamos, que a agitação que somos capazes de gerar com as duas fases anteriores nos conduzirá a alguma forma de redenção, porventura de purificação.
Percalços discursivos dos políticos, acidentes de comboio ou guerras entre "famosos" — tudo serve para alimentar esse tríptico imaginário em que, de facto, julgamos vislumbrar a lógica de uma arquitectura de relações a que chamamos "sociedade".
Ilustrando e, de algum modo, confirmando o nosso triste viver colectivo, o COVID-19 inscreveu-se nessa dinâmica como entidade rebelde, resistente às nossas patéticas liturgias — temos medo e algo nos diz que não somos dignos do nosso medo.