29 de agosto de 2020

Instagram & Cª

Depois das trocas íntimas do Facebook, do seu pueril ecumenismo, a proliferação global das contas do Instagram expôs-nos como protagonistas de um novo narcisismo, tanto mais obsceno quanto a sua lei primordial inverte qualquer tradição: já não se trata de defender a minha singularidade, distanciando-me do outro, porventura até menosprezando-o; agora, essa singularidade, mesmo nos seus aspectos mais medíocres, caricaturais ou pornográficos, submete-se voluntariamente ao desgaste provocado pelos olhares infinitos do mundo à sua/nossa volta — o anódino coexiste com o sublime, a ponto de nos levar a admitir que cada um deles se pode converter no outro ou, pelo meno, mascarar-se assumindo a pose do outro.
Daí a proliferação de registos, impossível de descrever ou classificar. Há o fotógrafo de paisagens. E o fotógrafo de grandes planos de si próprio. O Instagram do cão. O Instagram do gato. Milhões de cães. Milhões de gatos. O leitor de poemas. O escritor de poemas. O fotógrafo de poemas. Livros. Revistas. Colecções de fotografias antigas. Colecções de fotografias de lugares antigos. A estrela de cinema como modelo. A estrela de cinema, música ou culinária como arauto de uma qualquer transcendência existencial. A estrela de alguma coisa como militante de uma causa universal. O direito à diferença. Toda a gente é pelo direito à diferença. O filosófo de bolso. O filosófo, sem mais. Muitos cães a tomar a banho, entusiastas. Alguns gatos a tomar banho, relutantes. Livros velhos. Móveis velhos. Móveis novos. A namorada. O namorado. Gastronomia, para principiantes ou especialistas. O planeta reencenado como uma tribo de gastrónomos. Caixinhas de jóias. Janelas. Vinhos. Restaurantes. Jantares de grupos. Grupos que parecem só existir por causa dos jantares que promovem. Nostalgia de Hollywood. Super-heróis sem nostalgia. Jornais com artigos gigantescos. Resumos de artigos gigantescos. Frases em destaques  quadrangulares, susceptíveis de serem lidas no ecrã do telemóvel. Porquinhos a levar beijinhos. Bebés. Mais bebés. Ainda mais bebés. Discursos edificantes de pais e mães, sobretudo de mães, exaltando a pureza dos filhos. Bebés com cães. Bebés com gatos. Museus. Uma menina que parece passar a vida a fotografar-se para o Instagram. A tristeza. O cepticismo. Gritos de alegria. Um caniche da Croácia. Seguido por um chihuahua de Moscovo. As luzes de Moscovo. Os candeeiros de uma aldeia que não vem no mapa. Nudez interdita. Bikinis, quand même...
Subitamente, o Instagram disponibiliza-nos uma nova moral colectiva, afinal velha como o mundo, em forma de resgate das nossas angústias e desilusões: a humanidade faz-se com um pouco de tudo, da beleza radical, tão intensa que fica próximo da dor, até ao horror dos que, decididamente, publicam imagens do mundo como se o mundo coubesse no interior do seu cérebro raquítico. Talvez tudo isto seja uma forma de libertação.