Há qualquer coisa de insuportavelmente obsceno na escalpelização pública dos efeitos do COVID-19 em alguns lares da terceira idade ("terceira idade"... a própria expressão parece expor-se, agora, na sua ancestral desvergonha). Claro que importa apurar responsabilidades. Mas, uma vez mais, tudo se passa como se só soubéssemos funcionar como colectivo social enquanto promotores e espectadores de julgamentos sumários na praça pública, nomeando culpados que possam arder na fogueira da opinião pública ("opinião pública"... outra designação que passou a encobrir o próprio facto de não termos uma genuína cultura de troca de opiniões, preferindo antes a gritaria mediática). Infelizmente, a conjuntura não parece favorecer uma atitude genuinamente social. Eis uma pergunta possível para começar: que visão humanista, que práticas e políticas do envelhecimento — e para o envelhecimento — existem numa sociedade de permanente celebração de todos os desmandos e irresponsabilidades "juvenis"? Pior um pouco: uma sociedade que, em nome da concorrência e do lucro, associa quase sempre a boa performance profissional apenas aos que ainda não contemplam a hipótese da reforma.