12 de junho de 2020

A fala virtual

Difícil de descrever, e também de apropriar. Difícil distanciarmo-nos, de tal modo o seu uso se normalizou como matriz universal de "comunicação". É um tom de voz, uma velocidade, monótona mas precisa, de débito das palavras, um teatro de inquestionáveis certezas. Chamemos-lhe: falar virtual. Está por todo o lado: desde as mais disparatadas análises de filmes colocadas no YouTube até aos noticiários televisivos. Dir-se-ia que o enfraquecimento das ancestrais virtudes do diálogo — dois seres humanos, frente a frente — está a ser compensado pela pobre ilusão "científica" de uma fala que, apresentando-se histericamente condensada e liofilizada, nos dispensa de qualquer actividade ou risco de pensamento. Os médicos deviam integrar o fenómeno nas suas investigações sobre toxicodependência.