2 de junho de 2020

Oportunidade futebolística

Adoptemos a linguagem dominante. E perguntemos, por exemplo, onde poderá estar uma dessas "oportunidades" que, supostamente, a pandemia criou.
Arrisquemos uma hipótese: talvez fosse interessante tratar o futebol apenas como jogo, em vez de o promover à condição de filtro filosófico de todas as nossas formas de existência. Talvez os respectivos protagonistas, desportivos e mediáticos, pudessem delinear um plano de austeridade discursiva, poupando-se (e poupando-nos) à monótona banalidade de tropos como:
— "trabalhámos muito"
— "sofremos muito"
— "estão a jogar mais com o coração do que com a cabeça"
— "o golo foi contra a corrente do jogo"
— "o mister é que sabe"
— etc., etc., etc.
Talvez. Mas não é isso que está a acontecer. O COVID-19, a paragem física, as receitas que não se tiveram, as transferências que se fizeram, as transferências que não se fizeram, as transferências que talvez se possam fazer, o efeito psicológico da ausência de público nos estádios... Ah! A epistemologia futebolística está a superar as suas próprias fronteiras, inventando uma nova paisagem discursiva.
A oportunidade de pensar a vida colectiva para lá do futebol nunca existiu.