A ideia segundo a qual somos uma sociedade porque soubemos criar uma ordem (social, justamente) vai a par da noção de que todos, dos elementos policiais aos cidadãos comuns, passando pelos meios de comunicação, devem contribuir para a preservação dessa ordem. Curiosamente, semelhante aparato "filosófico" consagra uma lógica tecnocrática na percepção das nossas próprias vulnerabilidades enquanto colectivo: se a ordem apresenta impasses ou fissuras, isso quer dizer apenas que a fiscalização falhou. Mesmo que deus já não seja convocado, a ordem paira sobre nós como intocável transcendência. Por alguma razão, o video-árbitro triunfou, socialmente, como encarnação divina do "olhar" e oráculo da "verdade": ficamos felizes por poderemos dizer que aquele jogador estava fora de jogo porque a sua anca surgiu 3cm à frente do pé esquerdo do adversário... Quando podemos exibir uma medida, sentimo-nos realizados. E reintegrados na ordem.