Dir-se-ia que a pandemia é também um programa social e um curso pedagógico. Dos casamentos e divórcios até aos jogos de futebol, instalou-se na gíria social a ideia de que há um "antes" e um "depois" da pandemia de que, de uma maneira ou de outra, sairemos transfigurados. Em boa verdade, trata-se de um pensamento de bizarra teologia, alicerçado na noção de que o devir humano pode ser definido a partir de fronteiras existenciais rigorosamente desenhadas e estanques. Como se tivéssemos recuado a uma conjuntura anterior às atribulações de Hans Castorp, inquieto e fascinado com a resistência do tempo a ser racionalmente definido. Não será por isso que deixaremos de superar a pandemia, mas é duvidoso que tudo isso traga algum suplemento cognitivo à nossa dificuldade de lidar com o medo.