Com todos os seus dramas, urgências e ansiedades, a pandemia não veio apenas confirmar que os chamados meios de comunicação são vitais na vida que vivemos, melhor ou pior, neste século XXI. Em boa verdade, ela veio expor um facto, também ele vital, que não é fácil de encarar: os referidos meios de comunicação não são apenas elementos de conhecimento, mais fiável ou menos fiável, da nossa vida; também para o melhor e para o pior, eles existem como elementos interno e intrínsecos da própria vida — do que somos, do que vemos, do que fazemos, do modo como pensamos aquilo que somos, vemos e fazemos.
Aqui e agora, as circunstâncias drásticas que vivemos fazem com que, compreensivelmente, não esteja na agenda de ninguém a reflexão sobre o que tudo isso significa e, sobretudo, poderá significar no processo de resistência da humanidade a tamanha ameaça viral — e no futuro que desejamos. O certo é que, no plano mais básico da percepção do nosso quotidiano comunicacional, podemos perceber agora, se é que não o tínhamos já percebido, que há formas "jornalísticas" de comunicação que se fundamentam na multiplicação de uma lógica alarmista, instalando e instilando no tecido social permanentes sinais de catástrofes prometidas.
Para tais práticas, o COVID-19 não passa de uma variação sobre as agitações que, anteriormente, podiam provir de qualquer contexto — o alarmismo "jornalístico" face à pandemia equivale-se, assim, ao burburinho suscitado a pretexto de uma gritaria à porta de um estádio de futebol ou de uma altercação conjugal registada na mais remota das aldeias (os exemplos são apenas realistas).
Não se trata, entenda-se, de suscitar qualquer tipo de tribunal, institucional ou popular, para tais meios ditos de comunicação, muito menos de insinuar a possibilidade de medidas censórias. Colocar a questão nesses termos corresponderia, aliás, a reproduzir o perverso sistema ideológico desses mesmos meios, gerando mais uma cadeia de ruído social, idêntica a tantas outras cuja única vocação é reproduzir indefinidamente esse ruído, esvaziando qualquer hipótese de pensamento.
Trata-se apenas de lembrar que a questão está também — sempre esteve — do lado dos leitores/espectadores/consumidores, abrindo novas possibilidades de demarcação aos profissionais da comunicação. No mínimo, tais possibilidades poderão gerar atitudes, gestos e conteúdos que permitam aplicar mais vezes, a mais exemplos, a palavra jornalismo sem ter de recorrer à sanção discursiva das aspas.
Trata-se apenas de lembrar que a questão está também — sempre esteve — do lado dos leitores/espectadores/consumidores, abrindo novas possibilidades de demarcação aos profissionais da comunicação. No mínimo, tais possibilidades poderão gerar atitudes, gestos e conteúdos que permitam aplicar mais vezes, a mais exemplos, a palavra jornalismo sem ter de recorrer à sanção discursiva das aspas.