7 de abril de 2020

As vidas dos outros

Não é um fenómeno destes dias, muito menos um efeito do COVID-19. Em todo o caso, existe como componente social que tende a contaminar todas as actividades humanas, da mais básica informação aos mais variados modos de mobilização dos cidadãos. A saber: que aconteceu para que, em muitas formas de comunicação em sociedade, predominem os mecanismos de infantilização dos destinatários?
Entenda-se: não se trata apenas, talvez nem sequer sobretudo, de um fenómeno da comunicação social, mas precisamente de um aparato de comunicação em sociedade. Como se qualquer interpelação dos outros não implicasse dois vectores discursivos, inevitavelmente interligados, de responsabilidade e responsabilização — responsabilidade e responsabilização daquele, indivíduo ou entidade, que emite uma determinada mensagem; responsabilidade e responsabilização desses outros, mais ou menos conhecidos ou reconhecíveis, que ocupam o lugar mais ou menos consciente de receptores dessa mensagem. Bem pelo contrário, muitas vezes, tal como as coisas funcionam, aquele que transmite — e pode ser a partir dos lugares mais diversos, de uma plataforma mediática ao mercado da publicidade — tende a situar os outros num domínio de compulsiva puerilidade, de alguma maneira esperando, para não dizer exigindo, que esses outros sancionem a postura infantil para que estão a ser convocados.
É por medo que aceitamos tal infantilização? Ou apenas por ignorância dos circuitos de que se faz uma sociedade? Seja como for, escolhamos o medo — é sempre mais criativo que a ignorância.