A proliferação de máscaras nas ruas envolve um perverso reforço da individuação. Perverso porque individuar (o verbo tornou-se um objecto excêntrico que tentamos evitar) é expor e, de algum modo, reforçar as componentes individuais. É mais do que individualizar, distinguir no interior de um conjunto, porque arrasta a ideia de que a diferença exposta pode já não pertencer ao conjunto, mesmo que não o renegue. Mascarados, assim, somos devolvidos à nossa solidão primordial, essa a partir da qual podemos reencontrar algum sinal ou, pelo menos, o pressentimento da diferença do outro — da dignidade que nela se materializa e define. Há uma difícil lição social nesta renovada aventura de olhar os outros nas ruas do nosso território: em vez de nos entregarmos ao simulacro de uma comunidade virtual, em que todos são iguais porque todos aceitam banalizar a sua diferença, redescobrimos que a possibilidade do social começa no reconhecimento da primordial estranheza do outro. Sempre cruel, o tempo confronta-nos, assim, com os limites de todos os ecumenismos.