Prevalece a noção política e, sobretudo, moral segundo a qual a memória do 25 de Abril permanece operante porque o seu espírito persiste. Moralmente voluntarista, tal crença reduz o labor político à ideia simplista segundo a qual a história se faz de acontecimentos cujos "significados", por anónimas artes mágicas, se cristalizam, repetindo-se, sem rugas nem sobressaltos, de geração em geração.
Promove-se, assim, um comovente esforço, anualmente renovado e renovável, na crença de que a sua legitimação democrática (insubstituível, não é isso que está em causa) transforma o espiritual em moeda comum, reforçando a economia da memória colectiva. A contínua falha de tal esforço justificaria, pelo menos, que alguém colocasse em cima da mesa, não o espírito, mas a matéria do 25 de Abril — alguém que venha do lado da política, entenda-se. Tal como as coisas estão, para muitos, novos e velhos, o 25 de Abril não passará de uma discussão, para mais pouco inspiradora, sobre o modo de organizar as distâncias no hemiciclo de São Bento. Por mais que tal discussão possa ser justificada ou justificável, nada de espiritual a sustenta.