25 de abril de 2020

Marcelo Rebelo de Sousa

Sintoma: alguém discursa na sessão solene do 25 de Abril, na Assembleia da República; quando termina, vozes radiofónicas e televisivas repetem palavras soltas daquilo que foi dito, cumprindo a (falta de) lógica da mais nefasta pirueta retórica que o jornalismo inventou — o rodapé serve para banalizar tudo o que foi dito, transformando a fluência do discurso em paisagem anárquica de incidentes gramaticais.
O mais penalizado foi, inevitavelmente, Marcelo Rebelo de Sousa. Em poucos minutos, o seu discurso, brilhante e agregador, foi retalhado em resumos, análises e comentários que, em última instância, decorrem de uma missão compulsiva a que o próprio espaço mediático sujeita todas as personagens directa ou indirectamente envolvidas na cena política.
Quando chegar a noite, as palavras do Presidente da República já não existirão como discurso específico. E nada disso tem a ver com o juízo de valor que cada um, legitimamente, possa formular sobre tal discurso. Tais palavras não passarão de um mote, incauto e descartável, para "justificar" o ruído analítico dos outros. Comemorar o 25 de Abril poderia ser também reflectir sobre estes jogos florais da comunicação, não exactamente social, mas em sociedade — poderia ser, mas não é, deixou de ser.