15 de abril de 2020

La mort

La mort. Terrible mot, n'est-ce pas? Mais c'est étrange, il ne m'impressionne pas tellement aujourd'hui, ce mot. C'était une façon de parler bien conventionnelle, lorsque je disais: «Tu m'effraies». L'idée de la mort ne m'effraie pas. Elle me laisse tranquille. Je n'ai pas pitié — ni de mon bon Joachim ni de moi-même, en entendant qu'il va peut-être mourir.

[Mann]
Mudando de língua, do alemão para o francês, Hans Castorp mantém um diálogo com Clawdia Chauchat em que, subitamente, todas as resistências se afiguram superáveis, todos os indizíveis se apresentam acessíveis à fluidez da palavra. O amor e a morte. E ainda o corpo, terceiro vértice do triângulo cuja forma talvez se confunda com a forma da própria montanha: Le corps, l'amour, la mort, ces trois ne font qu'un.
Mudar de língua, mudar de código, abrir as relações a outras linguagens, eis uma hipótese filosófica — entenda-se: eminentemente prática, como a invenção técnica do apara-lápis que substitui os gestos ancestrais do canivete — que talvez nos ajude a lidar com a pluralidade da vida, seus mistérios e inquietações. É certo que Hans Castorp experimenta tudo isso em cenário de futilidade carnavalesca, mais ou menos etilizado. E convém não esquecer que Clawdia Chauchat não esquece que o lápis que lhe emprestou no começo de tão bizarro pas de deux fica como único saldo palpável do seu breve melodrama (N'oubliez pas de me rendre mon crayon). Seja como for, a deambulação francófona coloca Hans Castorp em contacto com uma verdade, fragmentada e imperfeita, mas não menos verdadeira, que carecia de verbalização.
Lidar com a pandemia não será, seguramente, ceder à proximidade da morte. Resta saber se, para lá do carácter prioritário e insubstituível do labor médico e da gestão política, não nos falta resistir à piedade, essa fraqueza retórica que Hans Castorp não experimenta face à fragilidade do seu querido primo Joachim e, afinal, aos sintomas que o seu próprio corpo vai exibindo.
Escutemos, aqui e agora: temos assistido à instalação da expressão "vai ficar tudo bem" no nosso quotidiano marcado pelo COVID-19; circula como uma espécie de chave mestra do nosso futuro, ilustrando esse triunfo obsceno da piedade sobre todas as formas de pragmatismo. Não necessitamos de começar a dialogar em francês, mas substituir o realismo das relações humanas por uma espécie de xamanismo mediático, eis um Carnaval que talvez não valha a pena festejar. Voilà.