A Sociedade Global do Streaming vai fundamentar-se, não exactamente num princípio de interdição, "não sair à rua", antes numa lógica de enquistamento — "tudo o que pode acontecer, acontece no mundo virtual". Mais do que isso: tudo aquilo que, de alguma maneira, não passar por alguma dimensão virtual será recoberto por uma suspeita ontológica — talvez não tenha acontecido, talvez não possa acontecer...
Em boa verdade, esta transferência tecnológica e simbólica tem estado a acontecer através da proliferação dos mecanismos da chamada Realidade Virtual, não por acaso rapidamente apropriados por duas poderosas indústrias organizadas em torno de uma crença (não instintiva, convém lembrar, mas puramente intelectual) segundo a qual a realidade não passa de um pormenor descartável. A saber: os videojogos e a pornografia. E está por fazer o estudo político da rudimentar ideologia de gratificação & performance que por tais domínios circula.
Em boa verdade, esta transferência tecnológica e simbólica tem estado a acontecer através da proliferação dos mecanismos da chamada Realidade Virtual, não por acaso rapidamente apropriados por duas poderosas indústrias organizadas em torno de uma crença (não instintiva, convém lembrar, mas puramente intelectual) segundo a qual a realidade não passa de um pormenor descartável. A saber: os videojogos e a pornografia. E está por fazer o estudo político da rudimentar ideologia de gratificação & performance que por tais domínios circula.
Na Sociedade do Streaming, os amantes deixarão de ceder ao encanto (ou desencanto, é igual) de partilharem a ferida vital de uma memória segundo a qual "terão sempre Paris". Afinal de contas, Paris, ou qualquer outro nome que remeta para mapas caídos em desuso, não será mais do que uma rede de circuitos virtuais, compulsivamente percorridos através de uma infinidade de variações que poderá até aceitar a observação, ou mesmo a avaliação, de outras personagens virtuais, supostamente humanas. O "Big Brother" televisivo generalizar-se-á como linguagem "neutra", sendo encarado, vivido e recomendado como uma Natureza sem alternativa.
Nessa perda programada de qualquer perspectiva romântica, chegará um momento em que os espectadores de filmes talvez já nem sejam espectadores, na certeza de que aquilo que vão consumir já não corresponderá, para eles, a um qualquer conceito de "filme". Com ou sem a utopia da Cidade Luz, Bergman e Bogart passarão nos seus ecrãs, em fragmentos arbitrários, com a textura dos rostos a preto e branco dinamitada pela sobreposição de mensagens de meia dúzia de palavras ou rabiscos gráficos. O amor será definido apenas pelo caudal de corações coloridos a evoluir na cercadura do ecrã. E os utilizadores reconfortar-se-ão com a sua inequívoca e abrangente liberdade de expressão.