20 de abril de 2020

Let it Be

É assustadora a (des)informação que circula entre os que não viveram, directamente e conscientemente, o dia 25 de Abril de 1974. Reconhecê-lo não tem nada a ver com qualquer noção heróica que seja preciso propalar, nem com, no pólo oposto, a eventual irrisão do evento histórico. Acontece que tudo se passa como se os spots televisivos do Largo do Carmo (sempre as mesmas imagens), pontuados por uma marcha militar (sempre a mesma), tivessem gerado uma rotina de esvaziamento da memória que leva a que tudo, ou quase tudo, seja evocado em função de categorias "políticas" da mais esquemática estupidez. Na pior das hipóteses, muitos dos que têm agora 16 ou 17 anos julgam, ou são levados a julgar, que o facto de, com a mesma idade, termos vivido assombrados pela hipótese de a ditadura política nos enviar para uma guerra em África terá implicado que fôssemos animais amordaçados, sempre fechados numa gruta estéril onde nada acontecia. Não sabem que, por esta altura, há 50 anos, surgia o Let it Be, dos Beatles — e não sabem que nos lembramos como se fosse hoje.