"Contra a corrente do jogo" — a expressão, consagrada nos comentários futebolísticos, é bem reveladora da ligeireza com que se encara a omnipotência do tempo. Dir-se-ia que quem a profere acredita que o jogo integra e, de alguma maneira, consagra um determinismo ("corrente") que a própria contabilidade dos golos só poderá e deverá confirmar.
"Hans Castorp já não sabia distinguir o «ainda» e o «de novo», de cuja mistura e confusão resulta o «sempre» e o «nunca», situados fora do tempo." Dito de outro modo: Hans Castorp não é comentador de futebol, não finge conhecer, porventura controlar, essa "corrente" cuja racionalidade lhe permitiria, talvez, ainda que por dramática ilusão, conceber a existência, a sua e a dos outros, como um mero decalque da linearidade do tempo.
"Hans Castorp já não sabia distinguir o «ainda» e o «de novo», de cuja mistura e confusão resulta o «sempre» e o «nunca», situados fora do tempo." Dito de outro modo: Hans Castorp não é comentador de futebol, não finge conhecer, porventura controlar, essa "corrente" cuja racionalidade lhe permitiria, talvez, ainda que por dramática ilusão, conceber a existência, a sua e a dos outros, como um mero decalque da linearidade do tempo.
De modo drástico, infinitamente perturbante, a doença põe à prova a nossa propensão para julgarmos que conhecemos e dominamos a arbitrariedade dos lances seguintes. Por uma razão que, em boa verdade, desafia o próprio entendimento do jogo. Essa razão diz-se por uma palavra austera, radical em todas as línguas: Morte, Muerte, Mort, Death, Tod... Daí o combate para que não estávamos preparados: lidar com a morte, apor algumas necessárias palavras à sua imponderabilidade, exaltando a vida. E reconhecendo que o desespero sintático que a morte instala nas narrativas da vida não se resolve denunciando o incumprimento da "corrente do jogo".