8 de maio de 2020

Video

Multiplicam-se os gestos evocativos de outras pandemias. Ou melhor, de narrativas, sobretudo livros e filmes, que trataram histórias, personagens e contextos que possam ter algum valor catártico no nosso presente. Não vejo, não ouço, ninguém a lembrar os jogos de video como modelo de percepção que, de alguma maneira, nos possa acompanhar. O que não deixa de envolver um brutal sarcasmo: afinal, uma das formas de ficção que tantos consomem (milhões e milhões, garantem as estatísticas) não tem nada para nos dizer, algo que, pelo menos, nos recorde que a dimensão humana existe, persiste e resiste. Em boa verdade, tal silêncio não tem nada de surpreendente: o video como instrumento de projecção do jogador que vive no ecrã os combates de outros não passa de um artifício físico, pueril e redutor, que promove a confusão entre os gestos mecânicos de interacção com o ecrã e algum tipo de experiência realmente material. Há nesse esquema de consumo uma desumanização que, agora, surge exposta na sua patética inoperância comunicativa. Um livro não nos salva da pandemia, mas não deixa de ser um objecto palpável. Um filme não nos liberta do medo, mas nasce de algum desejo de olhar o mundo à nossa volta.

NOTA - Talvez que toda esta conjuntura, plena de componentes trágicas, nos obrigue a repensar os valores dominantes da chamada cultura popular.