Sinais dos tempos. Ou tempo cujos sinais não sabemos decifrar. A vida sonhada vai adquirindo uma evidência que, antes, parecia sempre anulada pela circunstância do sono — o sonho era apenas uma derivação inconsequente, ainda que perversa, da nossa consciência. Agora, o sonho vence a irrisão do próprio sono e impõe-se como implacável reconfiguração de memórias, revisitadas em narrativas de acelerada nitidez, mesmo quando as identificamos como transfigurações ficcionais. Talvez que a pandemia esteja a abalar as fronteiras daquilo a que insistimos dar o nome de real, condenando-nos a uma orfandade simbólica, porque carente de qualquer forma de destino. Em boa verdade, será apenas o retorno do recalcado à nossa civilização iludida por muitas gratificações instantâneas: nem mesmo o sono consegue silenciar as manifestações da nossa vulnerabilidade. Deixámos de ter medo. Aliás, o medo deixou de ser uma coisa que se "tem", anunciando-se, a cada um de nós, no torpor do sono, na luz coada do sonho, como o gémeo que insiste em não querer nascer.