15 de maio de 2020

Drones

[1963]
Em Os Pássaros (1963), quando Hitchcock nos mostra uma perspectiva aérea de Bodega Bay, na iminência de ser atacada pelas gaivotas, a visão "do alto" é tanto mais perturbante quanto nos remete para o ponto de vista dos próprios pássaros, organizando-se para se lançarem sobre os pobres humanos — será o ponto de vista da divindade, sugerem alguns, esquecendo que nada no filme nos remete para qualquer transcendência, tudo acontecendo no plano do mais cru domínio material. Agora, o suposto olhar divino confunde-se com uma nova retórica visual, ou seja, a omnipresença dos drones: os movimentos ao longo das ruas vazias geram imagens que se confundem com a liofilização mediática, eventualmente "poética", da doença. Como se o torpor visual de um jogo de video tivesse sido promovido à condição de signo social da nossa solidão. Sintoma estético revelador: ninguém arrisca fazer o que Hitchcock faz, isto é, um plano fixo.