Durante um forum radiofónico, há uma pessoa que participa para dar conta do drama que representam os fumos que provêm das janelas do andar de baixo, e tanto mais quanto os problemas crónicos do seu aparelho respiratório reforçam a gravidade da situação... Patético paradoxo: é claro que a pessoa em causa está sujeita a um mal-estar que carece de alguma solução no interior do seu prédio; ao mesmo tempo, a sua queixa confunde o espaço social de diálogo com o tratamento específico de um problema individual, de impossível generalização. O moderador esforça-se por superar o absurdo instalado, mas tal detalhe retórico não resolve, nem pode resolver, o fulcro da questão. Ou seja: que aconteceu para que, na mente de muitos cidadãos que investem as mais variadas energias, por vezes francamente dramáticas, neste género de programas (radiofónicos e televisivos), o colectivo seja entendido como mero índice descartável, apenas útil para instalar, ainda que de modo efémero, a teatralidade de um consultório individual? Entenda-se: que aconteceu, socialmente, para que o próprio colectivo se apresente afectivamente enquistado e, por fim, esvaziado de qualquer sentido?
PS - Que aconteceu, em particular, para que rádios e televisões não repensem os efeitos destas matrizes de diálogo e o monumental equívoco social por elas favorecido?