A explicação da decadência do livro através da predominância dos suportes digitais terá muitas e fortes motivações, indissociáveis de uma cultura tecnológica & económica que, como é óbvio, já não obedece aos padrões que fizeram o essencial — ou, talvez, a essência — do século XX. Especula-se, fazem-se cálculos, avançam-se explicações mais ou menos voluntariosas e voluntaristas sobre a "persistência" do livro enquanto objecto virtual, sobre o maior ou menor número de horas de leitura que cada um faz. Quase sempre, todas essas boas vontades analíticas dispensam qualquer tipo de atenção ao poderosíssimo mundo dos videojogos e seus derivados (incluindo programas de carácter televisivo) e, mais especificamente, à cultura de gratificação imediata que tais dispositivos foram instalando e instilando no tecido social. Um livro, com 50 ou 500 páginas, pressupõe, ou melhor, convoca-nos para um tempo de envolvimento em que a dita gratificação se encontra suspensa, dir-se-ia em estado de "suspense" — qual o seu objecto, como habitar a sua duração? Eis o prazer prometido que as multidões passaram a renegar.