13 de maio de 2020

A cultura da indiferença

Desastre cultural. Parecia ser uma questão geracional, típica dos "jovens" educados e, sobretudo, deseducados a pensar que o cinema é a acumulação pitoresca e pueril, sem nexo nem datas, de fragmentos de filmes publicados no YouTube. Mas tornou-se mais do que isso: passou a ser uma norma, historicamente cega, simbolicamente morta, do território audiovisual. A saber: já não se diz que um filme resultou de um acto de filmagem, precisamente, ou rodagem; passou a dizer-se que o filme foi gravado. Dito de outro modo: a miséria de linguagem das telenovelas tem mais poder que o património de mais de um século de filmes — já não se filma, grava-se. O que faz com que haja almas ingénuas que, sem que o coração lhes estremeça, possam dizer que Bergman "gravou" Persona em 1965. Eis o horror da indiferença como matriz cultural.