Naturalmente. A palavra repete-se no discurso dos "especialistas" dos mais diversos domínios, servindo de muleta retórica para legitimar as argumentações ou valores do próprio discurso, implicitamente apresentado como gerador da naturalidade que exibe e universaliza. Exemplo histórico: em momento futebolístico da mais radical miséria televisiva, o repórter observava os adeptos da equipa derrotada a colocarem-se estrategicamente junto à saída para as cabines, cuspindo no árbitro quando este abandonava o terreno; usando a sua prodigiosa capacidade de síntese, o repórter introduz uma delicada pincelada descritiva, en passant: "... os adeptos do clube da casa, naturalmente agastados com o árbitro..."
Não haveria maneira mais didáctica de explicar o vazio que contamina muitas áreas da nossa comunicação: num tempo em que o próprio conceito de natureza coexiste de modo perturbante com qualquer ideia de civilização, vivemos, ou somos convocados para viver, com naturalidade — sorria, está a ser filmado, dizem os avisos das câmaras de vigilância.